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sábado, 24 de julho de 2010

Por que escrever?


Clarice Lispector, no romance Água Viva, nos esclarece:" escrever é a palavra pescando o que não é palavra". Escrever é a possibilidade de quem tem na palavra uma forma de evasão e de (com)partilhar.

Escreve-se para si próprio  e, simultaneamente, para o outro. A palavra pesca o dito e quando acontece o entreleçamento entre o dito e o não-dito mergulha-se numa comunhão universal entre  escritor e leitor porque fazemos parte do mesmo presente temporal e do mesmo futuro intemporal.

Nós, escritores e leitores, somos seres humanos que partilhamos  as dores e as alegrias que o viver e o existir nos impõem.  Somos companheiros de uma realidade quotidiana. Mais tarde seremos o pó da História, o pretérito que se cumpriu para o bem e para o mal.

Essa comunhão universal se traduz numa solidariedade umbilical e cósmica porque " escrever a palavra que pesca o que não é palavra" deixa claro que onde está ou tenha estado o Homem é preciso que esteja ou tenha estado toda a humanidade. Afinal, ninguém é feliz sozinho, nem mesmo na eternidade.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

EPÍSTOLAS - ELIZA E MÉRCIA


O gênero epistolar, se assim podemos chamar, é forma de expressão escrita que - mesmo no tempo do e-mail- merece atenção. Escrever cartas é um exercício da linguagem e do pensamento. Algumas cartas são exemplos de literatura que nos conduzem à reflexão.

Em 1900, no Rio de Janeiro, foi lançada a Revista da Semana. Esta revista circulou por mais de 30 anos. Em 1914, foi inaugurada uma seção que tinha por título "Cartas de Mulher". Esta seção era assinada por Iracema, um pseudônimo que, segundo a revista, "ocultava uma das mais cultas e espirituosas senhoras da elite da sociedade carioca".

De 1914 a 1919, a publicação semanal foi constante. Tratava-se de artigos, sob a forma espistolar, sobre a assuntos femininos.

Destaco aqui um fragmento de uma carta datada de 30 de dezembro de 1916. Nesta carta Iracema fala-nos da concepção de amor para os dois sexos. Escreve ela:

"A concepção do amor é diversa nos dos sexos. O homem exige no amor compensações e satisfações. Para o homem, a mulher é  o objeto, é a cousa amorosa que ele tem o poder de destruir. Para a mulher o homem é a divindade por quem ela se imola. Perante a traição, o homem enfurece-se e a mulher sucumbe".

Neste fragmento, observa-se um problema moral de duplo valor. O homem traído tudo pode, ele tem o poder de destruir. Espanta-nos a atualidade do conteúdo. Na época - 1916- e até hoje, o homem pode se enfurecer. É só ver e ouvir os casos de Eliza e Mércia ocorridos em 2010, ambas morreram por serem consideradas "cousas amorosas" e de alguma forma incomodaram o ego do goleiro Bruno e do advogado Bispo.