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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010







Mais um texto da Sônia. O amor é tema recorrente nos versos desta poeta.O site da Sônia é miscelâneo. Há artigos, crônicas, contos e outras "cositas mas". Em verdade, é uma revelação das várias facetas desta escritora.
Neste poema, temos a falência não do amor, mas de uma alma rota que, apesar da bancarrota, ainda deixa o coração a pulsar sem medo na busca de vencer a crise econômica-emocional-física .

BANCARROTA (SÔNIA MOURA, in www.idéiaseversos.com.br)



Gota de lágrima

De uma alma rota

Põe quem ama

Na rota

Da bancarrota



Amarga

A boca

Embrulha

O estômago

Enrijece

O corpo

Entorpece

A mente



Para tudo!



Somente

O coração,

Insistente,

Bate

Descompassadamente



E, sem medo

De isquemia ou de embolia,

Descontrolado

Em disritmias

O perdido coração

Segue em frente

Em busca de salvação

Em busca de milagre

Em busca de magia

Em busca da devolução

De um outro coração

Que saiu

Da sua rota

Deixando

Quem ama

A mendigar

O amor falido

Pobre ser perdido e

Na bancarrota

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Um homem,uma mãe, espelhos e o masculino.


Em postagem anterior, destaquei textos de três mulheres que tratam do universo feminino. Aqui destaco uma declaração de amor escrita por um homem. O poeta é Flávio Silva Corrêa de Mello. Flávio é meu filho. Não por ser meu filho, destaco o poema " Espelhos". Destaco porque é bom. Por força do ofício, tornei-me uma leitora bastante razoável. Por modéstia, não digo ótima. Escritora, não o sou. Nem pretendo.
Por força de ser mãe, sou uma leitora do Flávio desde...sempre. E desde sempre o achei bom escritor. Por modéstia, não digo ótimo.
Para minha culpa materna/ eterna e carregada sobre os ombros, nunca fui mãe ternura-coruja. Fui e sou mãe dever-generala. Mas sou mãe-amante. Amo meus filhos, não só por serem meus filhos, mas por serem homens do bem. Seres humanos que compreendem e sabem conjugar amor e dever.
Neste texto, o poeta deixa clara fragiligade/força do amor a dois. Amor e sexo são pasta de vidro. A rotina é na cama e na louça. A plenitude-luz é tentar iluminar o outro como "espelhos que se roçam". Amor sem pieguices. O erótico sem vulgaridades. É uma declaração de amor sem banalidades.
Digo, cheia de corujices, muito bom!

Espelhos
(de Flávio Corrêa de Mello, in Rio Movediço -blogspot)
para Flávia


Dois espelhos colados.
Frente e verso. Reversos.
no meio dos dois a cola,
a linha espremida
e sufocada. Ali, nós,
como lençol
grudento de suor,
somos pasta de vidro.

Ali no meio somos amor,
somos no nome
- a essência é o nome.

Se a cola é úmida ou seca,
Se o amor é na cama ou na louça,
somos o diário, o cotidiano
de dois espelhos que roçam,
gripam e espaldam
quando o sol desponta,
quando a rusga aponta.

Esse é o encontro
daquilo que nem
sabemos o quanto
e o como,
o quando e o que se é:
o nome, a força, a constância,
então refletimos, sim
refletimos, apenas isso,
refletimos cada um
seu modo de iluminar
o rosto do outro.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Três mulheres: Sônia... Líria...Marina.


Conheço Sônia Moura. Amiga das longas conversas, do trabalho, das lágrimas poucas e do riso farto. Acompanho os escritos de Sônia a partir da publicação de seu primeiro livro de contos Doze Mulheres.
Conheço Líria Porto. Nunca nos vimos em carne e osso. Conhecemo-nos por meio desta máquina e, mais tarde, por telefone. O início de nossa amizade deu-se no uso da 2ª pessoa. Por e-mail, ela enviou-me este “de família”. Acompanho os escritos de Líria desde 2001.
Conheço a escritura de Marina Colassanti. Sempre numa perspectiva subjetiva-analítica do universo feminino e social. E assim são seus contos, suas crônicas e seus poemas.
Essas mulheres são como o vinho. A cada dia, hora, minuto e segundo ficam melhores.
Seus escritos são vinho tinto que, numa taça de cristal, não se vê o fundo. Para saboreá-los, tem de se beber vagarosamente. Sentir o sabor e a espessura doces/amargas do viver. O sabor e o saber de ser mulher.
Transcrevo aqui três escritos destas mulheres que falam do existir, amar e sonhar.

1º escrito: existir

de família
líria porto(por e-mail- um presente da Líria)

mãe era serei_a
cheiro de flor e manhã

tinha manto verdejante
e nove filhotes no canto

pai era mar
ia e vinha

: supria a casa de sal
e peixes

eu
grão de areia
abismado
existia

*

“de família” é instigante nos recursos estilísticos da pontuação desta máquina chamada computador. O uso de "underline" e do asterisco estão perfeitos. Quanto à forma e conteúdo está aí estrutura da família tradicional. Metáforas perfeitas. O homem é pai-mar. A mulher é mãe - grão de areia abismado.

2º escrito: Amar
ETERNIDADE
( Sônia Moura) in www.soniamoura.com.br

Eternamente

Quero ser sua

Eternamante


Eternamente

Quero ser sua

Namorante

Constante

Inconstante

Vibrante


E, eternamente,

Quero deixar o tempo

Fazer de meu amor

A sua casa

Para que você

Se quede radiante

Ante

Os desejos mais brilhantes

Aqueles que só entendem

Os que são

Eternamente

Amantes (Do livro: Poemas em Trânsito )

Aqui Sônia brinca e brilha no uso do sufixo ante para falar do amor. Ser capaz de Amar é força vital no universo feminino. Mulher é éter, é amante. Inebria e radia quando ama. Toda mulher anseia amar e ser amada. Neste poema, é prioridade amar.



3º escrito:sonhar
Marina Colassanti (in Rotas em colisão, ed Rocco)

Sexta-feira à noite

Os homens acariciam o clitóris das esposas
Com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
Contam dinheiro, papéis, documentos
E folheiam nas revistas
A vida dos seus ídolos.

Sexta-feira à noite
Os homens penetram suas esposas
Com tédio e pênis.
O mesmo tédio com que todos os dias
Enfiam o carro na garagem
O dedo no nariz
E metem a mão no bolso
Para coçar o saco.

Sexta-feira à noite
Os homens ressonam de borco
Enquanto as mulheres no escuro
Encaram seu destino
E sonham com o príncipe encantado.


Neste sexta-feira, o tédio. O sexo sem fantasias. A rotina. Mas, lemos, principalmente, a capacidade feminina de sonhar.

3 poemas, 3 mulheres e a essência do feminino.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Lerna


Num dezembro qualquer, um aborrecimento muito sério levou-a ao fundo do poço da existência. Este aborrecimento causou pane no emocional e, consequentemente, no físico.

A partir daí, procurou entender o mito da hidra do Lerna.

A hidra tem 9 cabeças. Representam elas:
o desejo sexual intenso;
a prioridade do conforto material;
o dinheiro como fonte de felicidade;
as paixões desenfreadas;
o ódio aliado ao desejo de vingança;
o poder;
os vícios;
o orgulho quando é arrogância;
a crueldade.

Para vencer e encontrar a paz e a felicidade internas, a hidra deve cortar as nove cabeças e entregá-las ao pântano de Lerna que tudo suga.

Dedicou-se ao trabalho de repensar a os conceitos e (pré)conceitos existenciais para sair do fundo do poço. Analisou as 9 cabeças. Ficou doente emocional e fisicamente. Encarou-se de frente e começou a achar o caminho do Lerna para entregar ao pântano os aspectos nocivos dessa representação simbólica.

Quando nos entregamos às nove cabeças hídricas, corremos o risco de tornarmo-nos menos humanos e perdermos o prumo de uma vida plena. Tornamo-nos teimosos-arrogantes e instalamos, inconscientemente, a perda.
Perdemos o Prazer da beleza do sexo, do amor, do conforto, do trabalho.
Entregou todos os negativos ao pântano.
Desinstalou a perda e (re)viveu!

"Uma bem desenhada ficção"


A bipolaridade do ser humano é o traço mais encantador do fato de sermos apenas humanos. Leitora do Barroco, aprendi a luta constante entre nossos opostos. Um não existiria sem o outro. Sem o ódio, não saberíamos o que é o amor. Não por acaso o poema Cântico Negro,de José Régio, é, dentre muitos outros, um dos meus prediletos.
O verso " nasci do amor que há entre deus e o diabo" traduz, para mim, a nossa fragilidade existencial.
Transcrevo, aqui, o que o jornalista Wanderley Soares publicou em sua coluna, no jornal O Sul, por ocasião do Natal de 2009. Um outro viés que nos coloca frente à nossa dualidade.


" Iguais
Aqui da minha torre, como um humilde marquês, todos os dias, tento descobrir os segredos dos escaninhos de um universo árido e amargo. Andejo dos becos da sarjeta aos salões da Justiça e, sem raridade, vejo, nos dois extremos, figurantes com princípios iguais. Em cada nova cena deste espetáculo imprevisível somente é possível ver que o leão nasce e morre leão, como acontece com a cobra, que nunca deixa de ser cobra.

A criatura humana, no entanto, traz, dentro de si, os instintos do cordeiro e da víbora. Nesta moldura, durante as festas religiosas - e, para os cristãos, o Natal é a comemoração maior - a idéia é a de que todos nós somos cordeiros irmãos. Trata-se, este momento, de um delicioso desejo e uma bem desenhada ficção. Valendo-me, então, deste hiato na aridez e na amargura do universo em que, a cada dia, vasculho, tento controlar, em mim, o cordeiro e a víbora e, sendo uma criatura comum, deixo aqui o meu poema e a mensagem de um Feliz Natal a todos os meus iguais".

Fumar II





Ela teve uma infância segura. Uma família que lhe deu um norte. A mãe dizia-lhe sempre:”- marido de mulher é emprego”. Cresceu ouvindo este lema. Assim dedicou-se ao estudo, única forma, segundo a mãe, de crescer na vida, ter um bom emprego e não depender, financeiramente, de ninguém.
Viveu plenamente as décadas de 60 e 70. Admirava Simone de Beauvoir, Jean Paul Sarte e outros tantos de sua época.
Em 1962, prestou concurso vestibular para a faculdade de Direito do Estado. Tinha 18 anos e era uma universitária. Ainda estudante, trabalhou como secretária, telefonista internacional. Queria ter o seu próprio dinheiro para ir ao teatro, ao cinema, comprar os livros de que gostava. O pai dava-lhe casa confortável e comida farta. A mãe, o incentivo para o estudo e o trabalho. Os dois davam amor e segurança. Mais não podia querer.
O estudo e o trabalho não a impediram de namorar, ir à festas e, principalmente, ir ao cinema. Não perdia um filme francês da nouvelle vague. Fã ardorosa de Fellini.Nos filmes, as atrizes fumavam. Achou chique, passou a fumar. Gostou. Estimulava a concentração no estudo e no trabalho. O cigarro passou a ser um elemento de pausa para colocar o pensamento em ordem. Nos filmes, também, bebia-se. De bebida, não gostou. Tornou-se fumante, mas não bebante. Nunca teve interesse por outras drogas, apesar do cinema tê-las difundido. Mais tarde, a televisão aliou-se ao cinema nesta propagação das drogas lícitas e ilícitas.
Como diz o senso comum, nada acontece por acaso. Um colega de faculdade quebrou a perna. Ele era professor de inglês em uma escola particular e como sabia que ela era formada pelo curso Oxford e trabalhava usando o idioma, pediu que o substituísse por 10 ou 15 dias. Bendita substituição. Descobriu naquele momento a sua vocação. Sentiu-se feliz ao ministrar aulas.
Formou-se em Direito e em Letras. Dedicou-se à Literatura.
Gostava do que fazia. Sentia-se uma Educadora que usava a Literatura como um meio de formar seres humanos íntegros e antenados com o seu tempo. Com a Literatura, ensinou-os a amar e compreender a importância do saber ler e escrever para alcançar a estesia. Diziam-na ser muito inteligente. Ela mesma nunca soube o que era ser inteligente. Mas gostava de ouvir e chegou a acreditar.
Namorou. Casou e. descasou. Amou e foi amada. Foi desamada também. Educou os filhos que teve. Dançou. Riu. Chorou.
Ainda namora, ama, desama, dança, ri, chora, trabalha e estuda. Sobretudo, tem filhos íntegros e paga seus impostos.
Esta mulher tem algumas dependências químicas. A primeira é a do bom humor; a segunda é a necessidade de amar e aceitar o próximo; a terceira é o cigarro, ainda, lícito.
Mas, hoje, por ser fumante, esta mulher é um ser excluído de todos os locais sustentados pelos impostos que ela mesma paga.
Ela é fumante, não é doente na alma. Amar e não ser amado, mau humor, ressentimento, rancor matam mais que o cigarro. A bebida também.