Total de visualizações de página

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Lerna


Num dezembro qualquer, um aborrecimento muito sério levou-a ao fundo do poço da existência. Este aborrecimento causou pane no emocional e, consequentemente, no físico.

A partir daí, procurou entender o mito da hidra do Lerna.

A hidra tem 9 cabeças. Representam elas:
o desejo sexual intenso;
a prioridade do conforto material;
o dinheiro como fonte de felicidade;
as paixões desenfreadas;
o ódio aliado ao desejo de vingança;
o poder;
os vícios;
o orgulho quando é arrogância;
a crueldade.

Para vencer e encontrar a paz e a felicidade internas, a hidra deve cortar as nove cabeças e entregá-las ao pântano de Lerna que tudo suga.

Dedicou-se ao trabalho de repensar a os conceitos e (pré)conceitos existenciais para sair do fundo do poço. Analisou as 9 cabeças. Ficou doente emocional e fisicamente. Encarou-se de frente e começou a achar o caminho do Lerna para entregar ao pântano os aspectos nocivos dessa representação simbólica.

Quando nos entregamos às nove cabeças hídricas, corremos o risco de tornarmo-nos menos humanos e perdermos o prumo de uma vida plena. Tornamo-nos teimosos-arrogantes e instalamos, inconscientemente, a perda.
Perdemos o Prazer da beleza do sexo, do amor, do conforto, do trabalho.
Entregou todos os negativos ao pântano.
Desinstalou a perda e (re)viveu!

"Uma bem desenhada ficção"


A bipolaridade do ser humano é o traço mais encantador do fato de sermos apenas humanos. Leitora do Barroco, aprendi a luta constante entre nossos opostos. Um não existiria sem o outro. Sem o ódio, não saberíamos o que é o amor. Não por acaso o poema Cântico Negro,de José Régio, é, dentre muitos outros, um dos meus prediletos.
O verso " nasci do amor que há entre deus e o diabo" traduz, para mim, a nossa fragilidade existencial.
Transcrevo, aqui, o que o jornalista Wanderley Soares publicou em sua coluna, no jornal O Sul, por ocasião do Natal de 2009. Um outro viés que nos coloca frente à nossa dualidade.


" Iguais
Aqui da minha torre, como um humilde marquês, todos os dias, tento descobrir os segredos dos escaninhos de um universo árido e amargo. Andejo dos becos da sarjeta aos salões da Justiça e, sem raridade, vejo, nos dois extremos, figurantes com princípios iguais. Em cada nova cena deste espetáculo imprevisível somente é possível ver que o leão nasce e morre leão, como acontece com a cobra, que nunca deixa de ser cobra.

A criatura humana, no entanto, traz, dentro de si, os instintos do cordeiro e da víbora. Nesta moldura, durante as festas religiosas - e, para os cristãos, o Natal é a comemoração maior - a idéia é a de que todos nós somos cordeiros irmãos. Trata-se, este momento, de um delicioso desejo e uma bem desenhada ficção. Valendo-me, então, deste hiato na aridez e na amargura do universo em que, a cada dia, vasculho, tento controlar, em mim, o cordeiro e a víbora e, sendo uma criatura comum, deixo aqui o meu poema e a mensagem de um Feliz Natal a todos os meus iguais".

Fumar II





Ela teve uma infância segura. Uma família que lhe deu um norte. A mãe dizia-lhe sempre:”- marido de mulher é emprego”. Cresceu ouvindo este lema. Assim dedicou-se ao estudo, única forma, segundo a mãe, de crescer na vida, ter um bom emprego e não depender, financeiramente, de ninguém.
Viveu plenamente as décadas de 60 e 70. Admirava Simone de Beauvoir, Jean Paul Sarte e outros tantos de sua época.
Em 1962, prestou concurso vestibular para a faculdade de Direito do Estado. Tinha 18 anos e era uma universitária. Ainda estudante, trabalhou como secretária, telefonista internacional. Queria ter o seu próprio dinheiro para ir ao teatro, ao cinema, comprar os livros de que gostava. O pai dava-lhe casa confortável e comida farta. A mãe, o incentivo para o estudo e o trabalho. Os dois davam amor e segurança. Mais não podia querer.
O estudo e o trabalho não a impediram de namorar, ir à festas e, principalmente, ir ao cinema. Não perdia um filme francês da nouvelle vague. Fã ardorosa de Fellini.Nos filmes, as atrizes fumavam. Achou chique, passou a fumar. Gostou. Estimulava a concentração no estudo e no trabalho. O cigarro passou a ser um elemento de pausa para colocar o pensamento em ordem. Nos filmes, também, bebia-se. De bebida, não gostou. Tornou-se fumante, mas não bebante. Nunca teve interesse por outras drogas, apesar do cinema tê-las difundido. Mais tarde, a televisão aliou-se ao cinema nesta propagação das drogas lícitas e ilícitas.
Como diz o senso comum, nada acontece por acaso. Um colega de faculdade quebrou a perna. Ele era professor de inglês em uma escola particular e como sabia que ela era formada pelo curso Oxford e trabalhava usando o idioma, pediu que o substituísse por 10 ou 15 dias. Bendita substituição. Descobriu naquele momento a sua vocação. Sentiu-se feliz ao ministrar aulas.
Formou-se em Direito e em Letras. Dedicou-se à Literatura.
Gostava do que fazia. Sentia-se uma Educadora que usava a Literatura como um meio de formar seres humanos íntegros e antenados com o seu tempo. Com a Literatura, ensinou-os a amar e compreender a importância do saber ler e escrever para alcançar a estesia. Diziam-na ser muito inteligente. Ela mesma nunca soube o que era ser inteligente. Mas gostava de ouvir e chegou a acreditar.
Namorou. Casou e. descasou. Amou e foi amada. Foi desamada também. Educou os filhos que teve. Dançou. Riu. Chorou.
Ainda namora, ama, desama, dança, ri, chora, trabalha e estuda. Sobretudo, tem filhos íntegros e paga seus impostos.
Esta mulher tem algumas dependências químicas. A primeira é a do bom humor; a segunda é a necessidade de amar e aceitar o próximo; a terceira é o cigarro, ainda, lícito.
Mas, hoje, por ser fumante, esta mulher é um ser excluído de todos os locais sustentados pelos impostos que ela mesma paga.
Ela é fumante, não é doente na alma. Amar e não ser amado, mau humor, ressentimento, rancor matam mais que o cigarro. A bebida também.