Total de visualizações de página

sexta-feira, 24 de julho de 2009

O Mar, Mensagem e Fernando Pessoa




Dentre todas as formas de arte, a literatura é a que mais me fascina. A arquitetura e a pintura têm cores e formas, a dança tem movimento, a música tem graves, agudos. A arte da palavra exige, inicial e simplesmente, letras – e, a partir delas, formam-se os movimentos, as cores, os sons, enfim, os signos e os símbolos

Ao lermos, revemos nossa tentação de sermos poetas, escritores. A cada vez que lemos e relemos, recriamos o texto e tornamo-nos, também, parceiros do autor. Essa simbiose entre autor e leitor possibilita leituras diferenciadas. Não deixa de ser um trabalho de criação.

Reli Mensagem, para navegar, ler, entender e apreciar o texto pessoano, devemos pensar e repensar o espaço água na obra deste escritor e considerar as três letras básicas desta Mensagem poética/narrativa: MAR – AMAR – MA

Essa tríade compõe o universo histórico-umbilical da cultura portuguesa.

Os reinos da Península Ibérica formam, hoje, a Espanha; o pequeno condado é hoje a nação portuguesa, com traços culturais diferenciados. As diferenças nasceram da força do amor, talvez ufano, pela terra, pelos hábitos, pelo folclore. A cultura portuguesa é marcada pela determinação, pela teimosia, pela paixão e pelo gosto pela aventtura.
Como crescer economicamente, estando sempre em guerra com os outros Reinos, como o verdadeiro Reino de Portugal? Qual seria a saída? A fronteira terrestre, inóspita; à sua frente, o mar: fonte de liberdade e esperança. Para manter a terra seria preciso abandoná-la. Saída? O mar. É preciso conquistá-lo. Sobretudo, amá-lo. Nessa conquista há sofrimento, alegria, ódio, amor. E, dessa relação antitética, nasce o “amar o mar”.

Não é sem razão a frase dos antigos navegadores portugueses: “navegar é preciso, viver não é preciso”. O mar deu à língua portuguesa a palavra saudade – e à cultura portuguesa o traço melancólico de sua arte. A leitura, aquela com “olhos de ler”, e a compreensão plena de autores portugueses só é possível a partir do entendimento do signo “amarmaramar”.

Fernando Pessoa toma para si o espírito daquela frase – palavras de pórtico – diz: “viver não é preciso, criar é preciso”. E podemos, na sua obra, perceber vivência íntima da poesia e a luta por uma tradição verbal dela.

Em seu poema “Mensagem através do Mar Portuguez e do Monstrengo”, a referência ao mar se faz presente:
Arroio, esse cantar, jovem e puro,/ Busca o oceano por achar:/ E a falla dos pinhais, marulho obscuro,/ é o som presente d’esse mar futuro,/ É a voz da terra anciando pelo mar”. (In Mensagem, Primeira Parte/ Brasão – Sexto / D. Diniz)
Como um bruxo da palavra, Fernando Pessoa reitera a visão da importância do mar na tradição portuguesa.
No fragmento acima, a associação terra/mar; presente/ futuro mostra a semente e a reflexão históricas da presença da água na alma da nação portuguesa, como marca de seu fado – uma constatação mítica deste destino: o futuro, por se achar fora da terra, está, paradoxalmente, no retorno a ela. É preciso sair para voltar – e a nação, de espaço geográfico pequeno, tornar-se-á grandiosa.
Se pensarmos em Fernando Pessoa como um ocultista e que a sua verdade absoluta chega até nós por certos condutos, que são os símbolos, as figuras míticas, as fórmulas ritualísticas, as palavras sagradas: mar, nau, marulho, oceano – intuem a essencialidade desse elemento na previsão futura desta grande/pequena nação. E predizendo:

"Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quiz que a terra toda fosse uma.

Que o mar unisse, já não separasse.
Que o mar com fim será grego ou romano;
O mar sem fim é portuguez”. (In Mensagem, Segunda Parte/Mar Portuguez)
O poeta procede como um intérprete de símbolos que, além dos dotes de simpatia, intuição, inteligência e compreensão, arrogou-se o direito de prever o auxílio da “iluminação superior”, tomando a mão do superior e do incógnito para profetizar e vaticinar sobre a relação homem/mar/destino.
A presença da história marítima em Mensagem é elevada a um plano mítico, através do qual o poeta intenta recompor o passado histórico por meio do traçado de uma outra história espiritual e transcendente, para mostrar a capacidade da força humana em vencer os perigos que o mar apresenta para revalorizar o destemor do homem:
O Monstrengo que está no fim do mar
Voou trez vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo
De quem são as velas onde me roço?
De quem são as quilhas que vejo e ouço?
Disse o monstrengo, e rodou três vezes.”
O homem do leme tremeu e disse,
El-Rei D.João Segundo!
Sou um povo que quere o mar que é”.
Assim sendo, o ocultismo assume forma para dizer, indiretamente, da ligação irremediável do destino português ao mar. É, sobretudo, o modo de ser dessa tragicidade, a se cumprir para a grandeza ou pequenez da nação. Cada um de nós possui um lugar que podemos identificar como um domínio reservado e maravilhoso onde habitam os seres mais amados. Esse domínio reservado é o mar, fonte de perigo e aventura, desafio que sempre estará presente para testar o poder do Homem, tornando evidente a relação bipolar – razão X emoção – humana. Em Fernando Pessoa, esse é o “domínio reservado” para evidenciar o “cumprir-se Portugal”.
O espaço água é instável, macio; ao mesmo tempo, sólido; e gera a vontade de desafiar o imponderável. O mistério e o fascínio da água exercem no ser humano esse constante buscar desvendar e conquistar essa maciez e solidez, fonte de inspiração, angústia, apogeu – e derrota do Homem.
Nós, leitores-(re)criadores, percebemos que o fascínio pela água é cultivado desde a Antigüidade Clássica, com Ulisses, de Homero, até a época hodierna – e nos permitimos exemplificar, com Wanderley Soares, jornalista e cronista contemporâneo que, dentre os criadores da arte da palavra, simbolista - semiótico, refere-se à magia contagiante exercida pelo mar nos seres humanos, na crônica inédita Nós, Águas e Pedras traduz, metaforicamente, as emoções que vêm à tona diante do esplendor indefinível do mar:
“... das águas ruidosas, frementes dos oceanos, não são velados os perigos, as correntes, seus instintos invasores, não são ocultas as baías, as áreas de calmarias, suas ressacas, seus romances obscenos com os rochedos. Mas marinheiros viajores de todos os mares, sabem que nada é definitivo nos códigos dessas águas que parecem tão francas, tão reveladoras. Elas têm os mesmos cúmplices, os mesmos amantes das águas mansas, que são os ventos que se vão e retornam em horas não marcadas...”. (Nós, Águas e Pedras faz parte do 2º livro do autor. Ainda em elaboração para publicação).
Fernando Pessoa, navegando pelo Mar Portuguez, nos mostra que esse mistério “das águas frementes” fascina, amedronta e, eternamente, desafia o imaginário humano. O mar de Pessoa não é só o português, é o mar do planeta. Do nosso planeta-água.






A matéria


Futucando nesta máquina, encontrei esse belo (para o meu gosto) poema do Flávio Corrêa de Mello. Aqui deixo registrado. Flávio é um criador de boas metáforas. Poeta do sonho, da dor e da alegria. Um angustiado sonhador que sempre nos mostra o nosso sentimento mais profundo.

O poeta apaixonado
Dedica versos e livros
Para mulheres que comovem
E movem na impossibilidade
Da matéria, no reverso
Do espelho, no beijo
Da boca da amada
O poeta apaixonado
Tem cores para todas as cores
E superfícies para todos os desníveis
É um ser em profunda
Profusão dos amores mortos
Não ama, não sabe amar
Incompreendido
Confunde, co-funde imagens
Mistura a sintaxe
Vagueia na ortografia
É sofrimento
É lamento
Deixa espólio
Fugaz e rápido
de poesia mal capturada.

Coragem


Esta história começa como deveriam começar todas as histórias. Os antigos orientais já nos ensinaram...
Era uma vez um homem e uma mulher.
Conheceram-se.
Outrora, conheciam-se em praças, cinemas, bailes de formatura, gafieiras, teatro, pátios da escola, filas de ônibus...
Atualmente, pela internete. Estes se conheceram em salas de bate-papo. Um mundo de teclas, de monitores, de imaginação e de digitação.
O mundo virtual permite codinomes. Há pedregulhos, rabiscos, manuscritos, feiticeiros, bruxas, geminianas, lillas, lollas, archeiros, archoé, fulanos de tal, tua mulher, senhora das águas, thodah feminina, batom vermelho. Há também os codinomes oriundos de romances, de filmes, de personagens: Ana Terra, Maria Moura. Poderíamos elaborar uma relação tão ficcional quanto o mundo dos contos de fadas, das fábulas, das artes.
Os nomes reais, não tão prosaicos, nem tão imaginativos, tornam-se conhecidos após algum tempo e, como sói acontecer, realidade e virtualidade interpenetram-se.
O ser humano surge vivo. Suas dores, alegrias, mágoas, doenças, finanças em queda, finanças em alta, seus medos.
Há um denominador comum entre estes seres humanos: o estar solitário.
Os internautas desta história moravam em estados diferentes. Mantiveram uma relação internáutica repleta de afinidades. A cada dia, estas afinidades se confirmavam.
Ela, mais sonhadora, pensou: é a minha alma gêmea!
Ele, mais realista, pensou: gosto de conhecer pessoas e aqui é um bom espaço.
Ela estava em recuperação de uma cirurgia; ele também.
Ele escritor; ela professora.
Ele enviava seus escritos. Ela analisava e sugeria.
Ela, determinada; ele, acomodado.
Nesta determinação, ela escreveu trabalhos sobre a obra dele. Comparou-o a Beuadelaire, inscreveu seus escritos para serem comunicados em Congressos sobre Literatura. Todos esses Congressos eram realizados no Estado onde ele morava.
E lá foi ela transformar seu sonho em realidade. Saiu do seu Estado, pegou avião e foi lá conhece-lo ao vivo e a cores.
Durante três anos, foram três congressos. Cada congresso durava uma semana. Foram três semanas – uma por ano- de afinidades acentuadas.
Gostei dessa mulher que apostou no mundo virtual.
Gosto de mulheres sem medo, que arriscam, que acreditam no amor possível.
Se deu certo ou não, não importa. Importa a coragem, o expor-se.
Sem saber o final do amor-sonho-afinidade, tenho certeza que, na vida dela, permaneceu e, talvez, ainda permaneça a recordação deste momento da vida que, pela ousadia, ela criou. Ela fez a história.