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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O saber

 Chamamos médicos, advogados, engenheiros, dentistas de doutores. Em verdade, são bachareis. Especializam-se em alguma área destas atividades.A partir do bacharelado, alguns tornam-se mestres e depois seguem para o doutorado. Há na vida acadêmica uma ordem: graduação - bacharel; pós-graduação latu-senso - especialista;pós-graduação strictu-senso - mestre e doutor.

Não é só na medicina, na advocacia, na odontologia e na engenharia que o título de doutor é pertinente. A rigor, o bacharel, o especialista, o mestre não são, a rigor, doutores. Mas, o uso do cachimbo faz a boca torta.O uso popular consagra. O consagrado pelo povo é inconteste. É sagrado.

Ter  os títulos de mestre e de doutor é uma necessidade do mercado. Não é uma busca espontânea, uma necessidade de conhecer a si mesmo para uma melhor compreensão existencial.

Conheço vários doutores. Aqueles que cursaram o doutorado. A maioria obteve o título em universidade pública. Academicamente, são doutores competentes na área do saber na qual se doutoraram.

Admiro-os. Respeito a tenacidade que tiveram para obter o título. Só quem passou por isso sabe o que é um orientador de dissertação do mestrado e/ou da tese do doutorado. Trata-se de um período de pesquisa, leituras e (re)leituras, escritos e (re)escritos, um ir e vir sem fim. Uma dor e uma angústia densas. Há muito choro e pouco riso. Terminado  este período, há a defesa da dissertação e/ou da tese. Uma banca é formada e começa o questionamento do trabalho apresentado. Um achismo sem fim. Finalmente, o título.

Fica um questionamento: para quê?

Com raras excessões, sem generalizar é claro, os egos inflam-se. O saber, titulado ou não,  é instrumento para a melhoria da qualidade da vida interior.Tornar-se um ser humano melhor, capaz de interagir com o semelhante é o princípio que norteia a ciência da educação em qualquer área do conhecimento .

O saber titulado, inflador do ego, agente da vaidade é inócuo, inválido, beira a idiotia. Principalmente, quando é patrocinado pelo ensino público, pago com nossos impostos.

É dever nosso, contribuintes, prestar mais atenção na formação destes mestres e doutores.

Qualquer ego inflado merece o desprezo. Merece ser defenestrado.


terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Carnaval

Não sendo uma carnavalesca, aproveito o período para um balanço existencial. Resolvi fazer esse balanço em Miguel Pereira. Morei algum tempo nesta cidade. Sabemos que nossa existência é um somatório do passado aliado ao presente. Só presente existe e ele é modificado a cada (re)visão. Por ser uma pessoa vivente do presente, não sei se vale à pena fazer viagens ao passado(?).
Talvez o excesso de alegria do carnaval me assuste um pouco. Os excessos me assustam.
Ser alegre é um constante estado da alma. Há almas que são sempre tristes. Parecem que tomam chá de melancolia. Essas almas melancólicas, no carnaval se travestem de uma alegria temporária. Mas, o tédio está lá. As almas tomam medicação para que possam se travestir seja cerveja , seja uísque, seja caipirinha. E a melancolia renasce na 4ª feira de cinzas.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Leituras, reminiscências e vozes do passado


Fui fazer um visita ao blog tanto mar da poeta Líria Porto. Lá, li o poema Pedregulho. Um belo texto. Uma coisa leva à outra e lembrei-me de uma crônica de uma amigo nosso, meu e da Líria, Wanderley Soares. Soares é jornalista do jornal O Sul, em Porto Alegre. Mas, houve um tempo, quando não estava assolado pelo trabalho de escrever sobre segurança pública, escrevia poemas, contos, crônicas. Transcrevo o texto que o Pedregulho da Líria me fez ouvir as vozes do passado.

Nós: águas e pedras
por Wanderley Soares

Nós, águas e pedras

Das águas mansas de lagos e rios, são longas, quase silentes e ocultas, as venturas. Não revelam, sem castigo, aos aprendizes de navegadores, suas delícias, seus baixios, suas neuroses, seus abismos devassos. Quando em vestes de megeras, têm o toque das fadas. Ao se materializarem em Vênus, contêm o veneno das tarântulas. Seus códigos não são definitivos. Como no cosmo, nada nelas se eterniza. São insondáveis as águas mansas e, por isso, assola-me o temor da mansidão dos teus olhos.
Das águas frementes dos oceanos, não são velados seus perigos, suas correntes, seus instintos invasores. Não são ocultas as baías, as áreas de calmarias, as ressacas, os romances obscenos com os rochedos. Mas marinheiros, viajores de todos os mares, sabem que nada é definitivo nos códigos dessas águas que parecem tão francas, tão reveladoras. Elas têm os mesmos cúmplices das águas mansas. São os ventos que se vão e tornam em horas não marcadas, ora sóbrios, ora borrachos; são as nuvens, ora a adornar os céus, ora a ocultar o sol e as estrelas; são as tempestades errantes. São insondáveis as águas ruidosas e, por isso, assola-me o temor das imensas vagas da tua paixão.
As pedras que vemos por aí a rolar, têm vida longa. Elas testemunham, passivas, seus próprios destinos e os destinos daqueles que ora as fustigam, como os ventos assustadores, ou daqueles que ora a acariciam, como a brisa enigmática vinda dos lagos e rios ocultos entre os vales. E rolam a pedras, sem dor, numa viagem cósmica de cometa sem órbita.
Nunca sei quando estás por chegar a mim como uma tempestade, como um tornado. Nunca sei quando estás por chegar a mim como um lago ou como um rio brando. Assola-me, por isso, o temor de, como uma pedra, me perder de ti e não morrer.
As montanhas, anciãs e sábias, gozam e sofrem, a um tempo só, todos os tempos em todas as eras. Em seus alcantis, do sopé à coroa, castelos foram construídos, reis reinaram sobre todos os restos, pois aos restos sobra a planície em que se aninham os párias. E todos os que nas montanhas reinaram, olvidaram que eram as montanhas, apenas as montanhas, que reinavam para todos os tempos, em todas a eras. E se quedaram e se quedam os que ilusoriamente reinaram e reinam.
Trazes tu, de outros tempos, o estigma das montanhas. Assola-me o temor, por isso, de me quedar de ti, da coroa ao sopé, e na planície restar.

Para pensar


DEBATE ABERTO

O ódio da mídia e a primeira vitória de Lula

O rancor da mídia corporativa tem que ser contemplado como pano de fundo de uma grande derrota. Suas ameaças só não são trágicas porque, ao arreganhar os dentes, a grande imprensa introduz notas burlescas no discurso que se pretendia ameaçador.

Gilson Caroni Filho

Se a deontologia do jornalismo não contempla a divulgação de matérias partidarizadas como se fossem notícias apuradas em nome do leitor/telespectador, o telejornalismo brasileiro, principalmente o da Rede Globo, anda precisando redefinir qual é a natureza do seu verdadeiro ofício. Que fato objetivo deflagra tanta empulhação em horário nobre? Que registro simbólico almeja sua busca de sentidos? Qual a necessidade de construção permanente de imagens desfavoráveis ao governo e, em especial, ao presidente da República? Enganam-se os que pensam que as respostas a essas questões residem apenas nas próximas eleições. Lula, por seu significado histórico, representa uma fratura bem mais profunda do que pode parecer à primeira vista.

Ao obter mais de 30 milhões de votos em 1989, o ex-líder sindical apareceu como condensação das forças sociais que se voltavam para a demolição tardia do antigo regime. Contrariando prognósticos de conceituados analistas, sua candidatura teve gás suficiente para enfrentar as máquinas partidárias de velhos caciques. Mesmo derrotado por Collor, que representava a reprodução do passado no presente, o desempenho de Lula prenunciou, de forma categórica, o fim de uma “democracia” que só era possível mediante pacto de compromisso entre as velhas elites políticas, civis e militares. Essa foi sua primeira vitória. E a Globo disso se deu conta.

O embrião de um novo espaço histórico, capaz de conferir peso e voz aos de baixo na sociedade civil, na cultura e no arcabouço estatal, estava lançado. Com uma indiscutível capacidade de antecipação histórica, a família Marinho, que construiu seu colosso midiático como um Estado dentro do Estado- e muitas vezes acima dele- pressentiu o ocaso dos dias gloriosos. Como principal aparelho de legitimação da ditadura militar, as Organizações sempre vislumbraram a democracia como processo fatal à sua supremacia. E essa era uma avaliação correta. Deter o movimento profundo que vinha das urnas seria impossível.

A centralidade de Lula e do Partido dos Trabalhadores no cenário político era o avanço do cidadão negado, desde sempre, em sua cidadania. A construção da nova história objetivaria também o significado das eleições seguintes. Até a vitória em 2002, o acúmulo de forças trouxe à cena as esperanças políticas das classes excluídas. O rosto sofrido, que se contrapunha tanto à estética das modernizações conservadoras quanto à ética do neoliberalismo rentista, já não temia as bravatas e espertezas do adversário.

O rancor da mídia corporativa tem que ser contemplado como pano de fundo de uma grande derrota. Suas ameaças só não são trágicas porque, ao arreganhar os dentes, a grande imprensa introduz notas burlescas no discurso que se pretendia ameaçador. O diagnóstico que denuncia o fim da festa sai, ainda que codificado, dos débeis sustentáculos da credibilidade que lhe sobrou junto a setores protofascistas da classe média.

Ao criminalizar movimentos sociais, criticar a política externa tentando estabelecer paralelos entre Caracas e Tegucigalpa, e censurar premiações internacionais recebidas pelo presidente, o jornalismo produzido vai desenovelando a história da imprensa brasileira com impecável técnica televisiva.

Resta-lhe o apoio de uma direita sem projeto, voraz, cínica e debochada. Esse é o único troféu que ostenta em 2010, após ter sofrido o baque inaugural há 21 anos. Na década de 1980, ainda valia editar debates e fazer uso político de seqüestro de empresários. Afinal, não seria por apoio governamental que conferências debateriam monopólio e manipulação midiática.

Em outubro, a Globo não estará apostando apenas na candidatura de José Serra. Buscará, mediante retrocessos de toda ordem, garantir a sobrevida de uma ordem informativa excludente, incompatível com as regras mais elementares do Estado Democrático de Direito.


Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Miguel Torga



Gosto deste autor. Lúcido. Consciente da condição humana. Um crítico da política e educação portuguesas.Sobre a descolonização escreveria:
"fomos descobrir o mundo em caravelas e regressámos dele em traineiras. A fanfarronice de uns, a incapacidade de outros e a irresponsabilidade de todos deu este resultado: o fim sem a grandeza de uma grande aventura. Metade de Portugal a ser o remorso da outra metade".