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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Blue





Os ingleses têm uma palavra para definir como ela se sente hoje: blue Os mistérios das línguas! Em português, também, há palavras que definem esse estado d’alma – sorumbática, angustiada, tristonha, tediosa, melancólica, mas hoje a palavra certa é blue. She’s blue!


Levanta-se, coloca um cd da Betânia e quer ficar só. Não há pessoas no mundo que, hoje, a afastem do blue! Tem inveja das pessoas que dormem quando se sentem assim indolentes para a vida. Dormem e não pensam! Que mecanismo de defesa saudável! Dormir....dormir... dormir. Não pensar, nem sentir.


Ela está ociosamente escrevinhando nessa máquina para não pensar, não sentir e não chorar. De repente, pasmou-se! Já havia se cansado da Betânia fazia tempo e ei-la de novo na sua existência. Não adianta, choram, ela e a Betânia. Lembra-se de um verso de Camões e conclue que desejar não pensar, não sentir, não chorar são “enganos da alma, ledos e cegos” .[1]


Consola-se. Não está no blue sozinha. Há milhares de humanos, neste planeta, sentindo-se assim agora: todos blues.


Questiona-se onde foi parar aquela mulher batalhadora, trabalhadora, forte, corajosa. esnobe, inteligente, fina culta, sensual ? No blue.


Levanta-se e, cansada de tanto “blue”, tenta resgatar a mulher inteligente, esnobe e o escambau. São necessárias providências para o resgate. Troca o cd da Betânia para o Jazz Ladies. Vai para a dança. E ela dança com a voz e a música das jazistas americanas: Ella, Billie Holiday. Nina Simone. Embarca na Sentimental Journey, no Tea for Two e... merda! Lá está Helen Humes cantando I’m blue, na canção If I Could Be With You. Lá se foi a primeira tentativa do resgate. Volta ao blue. Volta à máquina para escrevinhar.


Ainda “bluseada” e embalada pelo som das ladies do jazz, pensa: os xenófobos que mudem seus conceitos! A boa música não tem pátria. Está na hora de abrir o coração e a mente para todas as línguas existentes no mundo, para o (des) amor, para a (des) esperança, (des) para a solidão em qualquer idioma, para todos os homens e mulheres solitários e solidários.


Resolve, então, partir para a terapia ocupacional. Lavar louça, arrumar armários, varrer casa, mudar móveis e enfeites de lugar, banhar-se, passar creme na cara, perfumar-se.


E volta ao blue!








[1] Os Lusíadas, canto II, estrofe 120(adaptação)

Os homens







Todos os homens, todos os beijos, todas as formas do amar, do falar, do calar,


do escutar sem ouvir.


Teus pêlos na cara, teus pêlos nas orelhas, teus pêlos no nariz, tua garganta, teus pomos de adão.


Teus cheiros, teu suor acre, tua colônia.


Teus olhos com um quê de sedução, de carinho, de carência. Teus olhos que inquirem, teus olhos que desnudam, teus olhos que dizem, mas jamais se comprometem.


Tuas ex-mulheres, tuas mulheres, a tua mulher.


Tua voz ora suave num olá, ora num descuidado oi, ora melancólica, ora seca num tá certo apressado.


Teus ternos, tuas camisas, tuas roupas jogadas em cadeiras, tua toalha molhada e largada pelos cantos do amor, pelos cantos do silêncio.


Tua pressa em chegar, tua pressa em sair, teus cenhos vincados, tua preocupação com o sem solução.


Todos os homens foram enganados, todos enganam, todos se enganam. Todos têm medo.


Conheci alguns. Amei o primeiro. Amo o último. Entre o primeiro e o último, alguns passaram. Não os recordo. Foram olhares rasos, carícias mecânicas, toques sem emoção, idéias sem cumplicidade.


Nunca aprendi a cozinhar. Nunca aprendi a calar, a obedecer, a fingir.


Estava ocupada em amá-los, ocupada em ser eu mesma e amá-los.


Aprendi a ser homem e ser mulher para seduzir, para amar e ser amada, para respeitar e ser respeitada.


Alguns me deram ordens, outros me deram afeto. Alguns eram bons no sexo, porém não eram bons nos pequenos detalhes do cotidiano. Outros eram bons nos pequenos detalhes do cotidiano, porém não eram bons no sexo.


Entre esses poréns, aprendemos nossos limites. Aprendemos o medo, a carência, o carinho mutante. Este aprendizado me sustentou e me sustenta na existência.


Homem, tu me alimentas na matéria, na razão e na emoção.