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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Não me contem segredos

Esta crônica que aqui transcrevo foi publicada no jornal O Sul e escrita por Wanderley Soares.
A escrita deste jornalista policial é marcada por uma análise angustiante e profundamente humana do nosso sentir o viver. Aqui em tom poético fala da angústia do ser detentor do segredo. Para ele, o segredo é aventura e dor. Trata-se de um belo texto.



Não me contem segredos.

A aventura de guardar um segredo é dolorosa. Ela, a aventura, é sedutora e esvoaçante. Ele, o segredo, é silencioso e irascível. É o torturador silencioso de seu guardador. Seus planos de fuga não lhe trazem angústia por ser dono da certeza de sua fortaleza. Descansa no fundo de sua cela apenas a observar os nossos movimentos. É um companheiro enganoso, inspirador de histórias tenebrosas, fazedor de intrigas. Quando fala, busca nos convencer de sua pequenez, de que nada acontecerá se abrirmos as portas de seu cubículo livrando-o dos grilhões.

Quem nos busca para acolher um segredo, a nós entrega um pensamento vivo. Ao alojá-lo, acreditamos que o melhor caminho será o de esquecê-lo, pois que o tempo o tornará, pouco a pouco, em cinzas. No entanto, o tempo é exatamente o seu alimento maior. Cresce a cada dia com maior ímpeto e, passo a passo, perturba o sono, ronda encontros, enfia-se numa melodia amiga, faz arder a garganta. Vigiado, torna-se obstinado e incansável vigilante. E tanto mais montamos nossa guarda, mais doentios são os seus ardis em busca de ser livre para nos deixar só.

Aceitar de alguém a guarda de um segredo, de um plano que viola os costumes da vila, que revela um passado temerário ou projeta um futuro que fere as bulas da lei, é permitir a entrada em nossa casa de um espectro que, lentamente, tentará verter pelos nossos poros, dominar nossos passos e mudar a direção de nossos olhos. Tanto mais intenso o seu silêncio, uma ânsia maior teremos por gritar. Tanto menor os seus sussurros, mais tenebrosos serão os ruídos de nossos pensamentos. Quem nos entrega tal prisioneiro, a nós deixará encarcerados.

A experiência que temos com os segredos prisioneiros começa bem cedo, quando não sofremos tanto por termos um estado de energia completo. E, afinal, se o prisioneiro foi por nós criado, temos a sensação de poder dominá-lo. No entanto, com o passar dos anos, acontece de, num encontro ocasional, sermos levados a vasculhar nossos guardados e lá encontrar coisas pequenas e sinistras, desde as paixões e ódios clandestinos até os planos de fuga com o primeiro circo. Mas são segredos nossos que aprendemos a tratar como feras gradeadas.

Não, não me peçam para guardar segredos, pois me basta a guarda dos meus por não confiar nem mesmo nos que se dizem confessores. O segredo alheio andeja em nossas veias como um veneno incapaz de nos tirar a vida, mas que se delicia em nos assombrar como passos de quem não podemos ver, mas que ronda as nossas noites. Não me falem em segredos. Contem-me apenas as coisas que para todos eu possa contar. Basta-me tratar das feras que alimento nos porões da minha alma. Não me contem segredos, pois tenho medo de ser capaz de guardá-los.


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