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sábado, 6 de fevereiro de 2010

Leituras, reminiscências e vozes do passado


Fui fazer um visita ao blog tanto mar da poeta Líria Porto. Lá, li o poema Pedregulho. Um belo texto. Uma coisa leva à outra e lembrei-me de uma crônica de uma amigo nosso, meu e da Líria, Wanderley Soares. Soares é jornalista do jornal O Sul, em Porto Alegre. Mas, houve um tempo, quando não estava assolado pelo trabalho de escrever sobre segurança pública, escrevia poemas, contos, crônicas. Transcrevo o texto que o Pedregulho da Líria me fez ouvir as vozes do passado.

Nós: águas e pedras
por Wanderley Soares

Nós, águas e pedras

Das águas mansas de lagos e rios, são longas, quase silentes e ocultas, as venturas. Não revelam, sem castigo, aos aprendizes de navegadores, suas delícias, seus baixios, suas neuroses, seus abismos devassos. Quando em vestes de megeras, têm o toque das fadas. Ao se materializarem em Vênus, contêm o veneno das tarântulas. Seus códigos não são definitivos. Como no cosmo, nada nelas se eterniza. São insondáveis as águas mansas e, por isso, assola-me o temor da mansidão dos teus olhos.
Das águas frementes dos oceanos, não são velados seus perigos, suas correntes, seus instintos invasores. Não são ocultas as baías, as áreas de calmarias, as ressacas, os romances obscenos com os rochedos. Mas marinheiros, viajores de todos os mares, sabem que nada é definitivo nos códigos dessas águas que parecem tão francas, tão reveladoras. Elas têm os mesmos cúmplices das águas mansas. São os ventos que se vão e tornam em horas não marcadas, ora sóbrios, ora borrachos; são as nuvens, ora a adornar os céus, ora a ocultar o sol e as estrelas; são as tempestades errantes. São insondáveis as águas ruidosas e, por isso, assola-me o temor das imensas vagas da tua paixão.
As pedras que vemos por aí a rolar, têm vida longa. Elas testemunham, passivas, seus próprios destinos e os destinos daqueles que ora as fustigam, como os ventos assustadores, ou daqueles que ora a acariciam, como a brisa enigmática vinda dos lagos e rios ocultos entre os vales. E rolam a pedras, sem dor, numa viagem cósmica de cometa sem órbita.
Nunca sei quando estás por chegar a mim como uma tempestade, como um tornado. Nunca sei quando estás por chegar a mim como um lago ou como um rio brando. Assola-me, por isso, o temor de, como uma pedra, me perder de ti e não morrer.
As montanhas, anciãs e sábias, gozam e sofrem, a um tempo só, todos os tempos em todas as eras. Em seus alcantis, do sopé à coroa, castelos foram construídos, reis reinaram sobre todos os restos, pois aos restos sobra a planície em que se aninham os párias. E todos os que nas montanhas reinaram, olvidaram que eram as montanhas, apenas as montanhas, que reinavam para todos os tempos, em todas a eras. E se quedaram e se quedam os que ilusoriamente reinaram e reinam.
Trazes tu, de outros tempos, o estigma das montanhas. Assola-me o temor, por isso, de me quedar de ti, da coroa ao sopé, e na planície restar.

Um comentário:

líria porto disse...

oi, janda - também, ao escrever a palavra pedregulho, lembrei-me do poeta gaúcho - que, por sinal, escreve primorosamente - falar nisso, tens aí "dos vinhos"?

besos e obrigada pelas tuas palavras e visita ao meu blog.

saudades tuas.