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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Crônica- poesia e prosa no escrever moderno








A questão da crônica e dos gêneros literários sempre foi suscitadora de pesquisa por parte dos teóricos da literatura.


Ao pensarmos em literatura, uma acepção necessária e verossímil nos orienta: a literatura existe “antes da letra”, no duplo sentido:


a) de antes da consciência de sua existência;;


b) antes da criação da palavra escrita.


Nesse (pré)existir, a arte da palavra não concebe e não encerra o entendimento histórico-culturalmente caracterizado sobre a divisão em gêneros literários, nem a dicotomia que se procura detectar entre prosa e verso.


Cumpre ressaltar que a discussão sobre poesia e prosa, que se supõe tenha partido de Aristóteles, nunca encontrou exatamente sua teoria definitiva dada a natureza móvel e imponderável do fato literário.


Os modernos estudiosos dos gêneros estão cientes de que eles formam um sistema particular no interior de cada período e interferem na estrutura do discurso literário, razão por que devem ser estudados indutivamente, a partir de características da obra ou das obras, e não a partir da concepção tríade dos gêneros: lírico, épico e dramático.


Partimos da premissa de que não importa em que gênero se apresenta o texto, importa perceber a natureza humana e o trabalho “artesanal” da palavra, despertadora de emoções e reflexões, sendo a estesia o fim único de qualquer forma de arte. As teorias em geral, e a dos gêneros, em especial, não é senão um meio auxiliar que nos conduz ao conhecimento do literário. O texto é, sobretudo, criação de discurso, a presença do lírico, do épico, do dramático não é excludente, antes se entrelaça; e a linguagem é o elemento norteador quer da criação primeira, quer da leitura, que o re-cria.


Luiz Costa Lima nos orienta nesta re-criação participativa do leitor através das estéticas de recepção e efeito. Segundo ele, “o que é fundamental é a observação de que o discurso literário- e ficcional, em geral, - se distingue dos demais porque, não sendo guiado por uma rede conceitual orientadora de sua decodificação, nem por uma meta pragmática que subordina os enunciados a uma certa meta, exige do leitor sua entrada ativa, através da interpretação que suplementa o esquema trazido pela obra.” ( In A questão dos gêneros, p. 266)


Ligada ao tempo ( chrónos), a crônica terá como eixo um momento. Podemos entender esta forma do escrever como um “flash” dos acontecimentos sejam da história, da política, da economia, dos traços de uma dada cultura.


No início da era cristã, era entendida como uma relação de ocorrências organizada cronologicamente, por conseguinte, a participação direta do cronista não existia.


Na Idade Média, a crônica, assim entendida, atinge seu ponto alto. A partir do século XII, com Fernão Lopes, passou a apresentar uma perspectiva individual restrita ao aspecto histórico. Nessa forma foram denominadas “cronicões” e, mais tarde, história.


A partir do século XIX, passa a apresentar uma linguagem mais elaborada. A visão do cronista se faz mais presente, e um tom poético começa a permear o texto.


Atualmente, a crônica afasta-se da mera reprodução de fatos e se orienta para uma abordagem intimista e reflexiva. O “eu – lírico” penetra nesta escritura e, polimorficamente, faz uso da ironia, do discurso afetivo do monólogo, do diálogo, da confissão visando, na utilização dos recursos estilísticos da língua, à aproximação com a arte literária na busca de uma representação simbólica do imaginário coletivo em suas manifestações cotidianas.


Resultado de uma longa evolução do processo literário, a prosa poética é produto de um momento em que a linguagem literária, dominada por uma ideologia de formas clássicas, percorre o caminho da zona do silêncio em direção ao processo de desagregação da linguagem sob a forma de um suave rompimento com a estética clássica.


A cidade sempre foi configuração para a literatura. O poeta, desde a Grécia antiga, percebe esse ambiente e faz nascer a poesia lírica, lirismo aqui entendido como uma relação subjetiva com o real. No mundo moderno, é outra vez a cidade que vem dar novos contornos ao modo como o sujeito se relaciona com o mundo subjetivo: agora a onipotência do sujeito heróico, narrador do mundo e das peripécias épicas do homem é substituída pelo mergulho na subjetividade. É uma forma de antenação ideológica, uma vez que a literatura, enriquecendo-se com as demais artes, é oferecida ao homem para que numa ligação entre o real e o imaginário, autores e leitores sintam-se totalmente “antenados” na compreensão do mundo que os (nos) cerca.


Baudelaire[1] reconhece a nova cidade e o homem do povo. Em um artigo intitulado “O pintor da vida moderna” incorpora conceitos estéticos aos novos tempos das metrópoles, desinteressando-se do Belo absoluto para considerar o Belo transitório. .


Existe aí a possibilidade de transformar em poético tudo aquilo que a grande cidade pode oferecer de artificial, de grotesco ao artista abrindo, dessa forma, o caminho para a estética do feio e, ao mesmo tempo, belo, por ser humano.


A poética moderna, incorporada à crônica, nos abre o caminho para a percepção lírica, social e humana resultante de uma integração entre a emoção e o desejo de interpretar o mundo e é responsável pelo nascimento de uma significação que, ao revelar o mundo, revela o sujeito que o considera poeticamente, unindo o emocional ao reflexivo e, refletindo, não se acha só, procura alertar sobre as angústias e alegrias próprias da existência humana.






















[1] BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa. Tradução de Aurélio Buarque de Holanda, 4ª ed. RJ, Nova Fronteira, 1980


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