Total de visualizações de página

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Fumar II





Ela teve uma infância segura. Uma família que lhe deu um norte. A mãe dizia-lhe sempre:”- marido de mulher é emprego”. Cresceu ouvindo este lema. Assim dedicou-se ao estudo, única forma, segundo a mãe, de crescer na vida, ter um bom emprego e não depender, financeiramente, de ninguém.
Viveu plenamente as décadas de 60 e 70. Admirava Simone de Beauvoir, Jean Paul Sarte e outros tantos de sua época.
Em 1962, prestou concurso vestibular para a faculdade de Direito do Estado. Tinha 18 anos e era uma universitária. Ainda estudante, trabalhou como secretária, telefonista internacional. Queria ter o seu próprio dinheiro para ir ao teatro, ao cinema, comprar os livros de que gostava. O pai dava-lhe casa confortável e comida farta. A mãe, o incentivo para o estudo e o trabalho. Os dois davam amor e segurança. Mais não podia querer.
O estudo e o trabalho não a impediram de namorar, ir à festas e, principalmente, ir ao cinema. Não perdia um filme francês da nouvelle vague. Fã ardorosa de Fellini.Nos filmes, as atrizes fumavam. Achou chique, passou a fumar. Gostou. Estimulava a concentração no estudo e no trabalho. O cigarro passou a ser um elemento de pausa para colocar o pensamento em ordem. Nos filmes, também, bebia-se. De bebida, não gostou. Tornou-se fumante, mas não bebante. Nunca teve interesse por outras drogas, apesar do cinema tê-las difundido. Mais tarde, a televisão aliou-se ao cinema nesta propagação das drogas lícitas e ilícitas.
Como diz o senso comum, nada acontece por acaso. Um colega de faculdade quebrou a perna. Ele era professor de inglês em uma escola particular e como sabia que ela era formada pelo curso Oxford e trabalhava usando o idioma, pediu que o substituísse por 10 ou 15 dias. Bendita substituição. Descobriu naquele momento a sua vocação. Sentiu-se feliz ao ministrar aulas.
Formou-se em Direito e em Letras. Dedicou-se à Literatura.
Gostava do que fazia. Sentia-se uma Educadora que usava a Literatura como um meio de formar seres humanos íntegros e antenados com o seu tempo. Com a Literatura, ensinou-os a amar e compreender a importância do saber ler e escrever para alcançar a estesia. Diziam-na ser muito inteligente. Ela mesma nunca soube o que era ser inteligente. Mas gostava de ouvir e chegou a acreditar.
Namorou. Casou e. descasou. Amou e foi amada. Foi desamada também. Educou os filhos que teve. Dançou. Riu. Chorou.
Ainda namora, ama, desama, dança, ri, chora, trabalha e estuda. Sobretudo, tem filhos íntegros e paga seus impostos.
Esta mulher tem algumas dependências químicas. A primeira é a do bom humor; a segunda é a necessidade de amar e aceitar o próximo; a terceira é o cigarro, ainda, lícito.
Mas, hoje, por ser fumante, esta mulher é um ser excluído de todos os locais sustentados pelos impostos que ela mesma paga.
Ela é fumante, não é doente na alma. Amar e não ser amado, mau humor, ressentimento, rancor matam mais que o cigarro. A bebida também.

Nenhum comentário: